MEDICALIZAÇÃO: USAR OU NÃO?

MEDICALIZAÇÃO: USAR OU NÃO?

INTRODUÇÃO

 

 

            A medicalização faz parte de um fenômeno maior que está muito presente em nossa sociedade, solidária com a estratégia de responsabilizar os indivíduos por problemas sociais. Isso significa dizer que tendemos a procurar as causas e as soluções de problemas sociais complexos nos indivíduos, em vez de buscá-lo no próprio sistema social. Dessa forma, os transtornos mentais infantis, principalmente os de aprendizagem, em termos biomédicos, são considerados de forma individual. A partir desse ponto de vista, determinado comportamento, portanto, não é o resultado de interações sócias. A prescrição de medicamentos para pacientes pediátricos segue os mesmos princípios de segurança da que é realizada para adultos, embora existam mais peculiaridades e muitas vezes menor número de dados sistemáticos de comprovação científica.

  1. CONTEXTO HISTÓRICO DA MEDICALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM

 

            O fracasso escolar é problema bastante antigo do sistema educacional brasileiro. Os estudantes e suas famílias, especialmente das classes sociais sem escolaridade, ocupam o primeiro plano desse embate, sendo culpabilizadas por sua inadequação à cultura escolar. Tal análise, portanto, assume como sendo do indivíduo a responsabilidade por seu desempenho e sucesso na escola.

Com a  criação do Ministério dos Negocios da Educação e Saúde Pública, em 1930, inaugurou, na República Nova, um interesse mais diretamente voltado à instrução pública no Brasil. Em 1934, a segunda Constituição Republicana apresentou, pela primeira vez, exclusividade do Estado em cuidar das diretrizes para a educação, que deveria ser pública e oferecida em locais oficiais. Com a influência de ideais pedagógicos da época, as Reformas do Ministro Francisco Campos (1931) e o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) mostraram a atenção dada naquele momento para a elaboração de um sistema escolar nacional. No entanto, o ideário da expansão da educação pública não representava ações concretas de acesso e manutenção das crianças na escola.

Com essas diferenças pessoais que a ideia medicalizante vem ganhando forças há décadas, com entrada relevante no Brasil desde os anos 80. Daí apresenta os pretensos distúrbios de aprendizagem e a medicalização de crianças em idade escolar. Atualmente, a medicalização da aprendizagem carrega os nomes de transtorno por déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e de dislexia. A cada dia essa ideia  se torma cada vez mais confusa.

 

  1. ALGUNS NOMES DA MEDICALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM: TDAH E DISLEXIA

 

Segundo Collares e Moysés 1992, no artigo “A história não contada dos distúrbios de aprendizagem”, mostra que há muitos anos busca-se localizar na criança justificativas biológicas para a não aprendizagem escolar. A partir do diagnóstico de cegueira verbal, que disminuciava a perda do domínio da leitura como uma das consequencias neurológicas evidentes em adultos que sabiam ler, após uma doença neurológica indiscutível – sendo as mais comuns o (AVC) Acidente Vascular Cerebral, trauma craniano e infecções. Como descreve as autoras abaixo:

Levando esse raciocínio [estruturado na origem da própria medicina como ciência] ao limite, teríamos: “se uma doença neurológica pode comprometer o domínio da linguagem escrita, será que a criança que não aprende a ler e escrever não teria uma doença neurológica?” E é exatamente assim que se inicia, há quase um século, essa longa história de equívocos e mitos, não acidentais. (Collares e Moysés, 1992, p. 23).

As mesmas retomam as  teorias que tentam comprovar através de estudos  existência de distúrbios de aprendizagem. História é repleta de preconceitos e interesses que, disfarçados, ganharam status de ciência. Nesse contexto aparece, o Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperatividade e a Dislexia, nomes diferentes para um só problema que, de fato, nunca pode ser localizado, nem comprovado. Para a Moysés e Collares esclarece:

Como sinopse, podemos adiantar que há 113 anos sucedem-se hipóteses de doenças neurológicas que comprometeriam exclusivamente a aprendizagem e/ou o comportamento; hipóteses jamais comprovadas e sempre criticadas dentro da própria medicina. Nessa trajetória, sempre que o questionamento atingiu o que poderíamos chamar de nível crítico, ocorreu a transmutação da hipótese vigente em uma nova, diferente e absolutamente igual. Mudanças apenas cosméticas, sem nunca atingir o essencial. (Moysés e Collares, 2010 p. 79).  

Essas mudanças cosméticas renderam diversos nomes de doenças cujas evidências nunca foram encontradas. Diante do fracasso da hipótese da cegueira verbal congênita de Hinshelwood, em 1896. Em Oxford 1962, .falou-se em lesão cerebral mínima (LCM), com Strauss. No qual nunca foi encontrada, o suposto que acabou ganhando o nome de Disfunção Cerebral 32 Mínima (DCM), Com misso, sem encontrar nada que comprovasse sobre os distúrbios de aprendizagem (fundamentalmente, da leitura e escrita), estudiosos seguiram apoiando-se em discursos confusos e inconsistentes para explicar a não aprendizagem de crianças em idade escolar.

 

  1. MEDICALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS

O termo medicalização aparece no final dos anos 60, referindo-se à apropriação dos meios de vida do homem pela medicina e da sua intervenção política no meio social que extrapola o seu campo tradicional de ação direta sobre as moléstias. No entantoo, a medicalização transforma modos de existência em patologias. Sendo assim, o termo medicalização não está apenas ligado à utilização de medicamentos, pois está presente no dia-a-dia das pessoas. produção de cuidados aos modos de viver dos sujeitos que retiram dele a sua autonomia, sua capacidade de pensar e de compor seus próprios cuidados.

Diante dessa polêmica, destaca Montero (1994), diz que as medicações foram se tornando centrais no tratamento dos problemas psíquicos, através da aquisição do "status" de "cura por si mesmo", e os serviços psicológicos, consequentemente, assumindo um caráter de desnecessários frente à presença da medicação, visto que, já Rodrigues (2004) acreditava-se que a medicação era capaz de devolver ao paciente alegria, tranquilidade e capacidade produtiva.

Observa-se atualmente uma grande diferença na literatura quanto à melhor forma de tratamento a ser utilizada, configurando este assunto num quadro bastante polêmico. Essa polêmica ultrapasse a reflexão sobre a associação entre medicalização e psicoterapia. Contudo, ainda é possível constatar que cada uma das formas de tratamento possui diferentes efeitos, agindo também em diferentes tempos. O exemplo disso pode-se dizer que a ênfase da ação das drogas se dá na formação dos sintomas e nas alterações afetivas, fazendo efeito mais precocemente, enquanto que a psicoterapia teria influência direta nas relações interpessoais e no ajustamento social, com um efeito mais tardio e mais prolongado. (KARASU, 1982 em FREY, MABILDE e EIZIRIK, 2004).

Para Calazans e Lustoza (2008, p. 3) acreditam que "a medicalização é uma proposta equivocada, pois pretende uma objetivação de algo que não é científico: o sujeito". Nesse pensamento, Lefèvre (1987) exclarece que o medicamento pode ser usado como uma forma de poupar a dor e o sofrimento das pessoas, fazendo desaparecer os sintomas, as dificuldades sociais e as pessoais. Isto é, são uma simulação de cura, pois, embora os sintomas da dor e do sofrimento possam ser camuflados, eles continuam a agir de uma outra maneira.

Sigal (2009), o fato de que atualmente a medicação prevalece à análise da história, à descoberta do que não foi metabolizado na relação com o outro, à elaboração e construção, configurando-se em um atalho para amenizar as angústias.

Muitas pessoas que busca a felicidade plena, não se dão mais o tempo para reavaliar suas próprias experiências, para assim elaborar seus conflitos e amadurecer. Além disso, sem tempo para estabelecer contatos humanos baseados em afeto e troca, o sujeito encontra-se com sua vida interior esvaziada, o que lhe impossibilita narrar sua própria história e sofrimento, assumindo o discurso médico para explicar os seus sofrimentos (MENDES e PRÓCHNO, 2004).

O consumo de psicofármacos é, portanto, uma tecnologia de si que se encontra intensificada e naturalizada nos corpos, a qual passou a definir as condições de saúde de uma sociedade ao silenciá-los. Esta tecnologia se consolidou como o sentido atribuído à saúde neste meio e, enquanto estes modos de vida sobreviverem, sempre haverá fluoxetinas, sertralinas, diazepams, alprazolams (NARDI, 2007, p. 15).

Uma grande preocupação existente quanto ao uso de medicamentos na infância, refere-se ao impacto que o tratamento terá no cérebro infantil, já que não há ainda respostas conclusivas pela ciência sobre o efeito desses medicamentos no sistema nervoso central. Segundo Raeburn (2009), além do suicídio, há evidências de que alguns remédios também interferem no processo de desenvolvimento e maturação do cérebro infantil. Então muitas crianças que tomam esses medicamentos conseguem alívio em curto prazo, mas mais tarde acabam desenvolvendo outros problemas psíquicos.

Pundik (2009) alerta que a Ritalina (metilfenidato), medicamento utilizado para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH, apresenta diversos possíveis efeitos secundários, entre eles secura na boca, vertigem, dor de cabeça, insônia, náuseas, nervosismo, palpitações, reações cutâneas, alterações da pressão arterial, apatia, isolamento social, podendo chegar inclusive a desenvolver trantornos cerebrais irreversíveis e até mesmo a morte súbita de crianças, segundo alguns estudos apresentados pelo autor. Estes também advertem que a Ritalina não deve ser consumida por crianças menores de seis anos, tendo em vista que seu uso pode gerar dependência de tipo anfetamínica.

Os riscos são tantos que estudos feitos por pesquisadores do centro de oncologia MD Anderson, da Universidade do Texas (EUA), detectaram alterações cromossômicas em crianças que tomaram Ritalina durante três meses. Este dado é preocupante, tendo em vista a comprovação da relação existente entre estas alterações e o desenvolvimento de câncer. Apesar de não ser possível afirmar relação direta com o desenvolvimento da doença, a Ritalina aumenta o nível de alterações cromossômicas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A criança esta diariamente em processo de crescimento e adaptação de sua vida social e intelectual, sendo assim algumas dessas crianças passa por algumas dificuldades de adaptações, nesse momento entra a indústria farmacêutica que tem alimentado o sonho de resolução de todos os problemas por meio de medicamentos, onde eles fazem a descrição de uma situação virar um distúrbio e assim descobrem um medicamento que cura aquele transtorno, sendo uma insônia, a falta de apetite ou até mesmo muito apetite, uma atitude de raiva por parte da criança que chega a incomodar o adulto e procurar nomes para as situações diárias da criança.  “Devido a sua complexidade, esses processos são preocupantes e não são suficientemente abordados na sociedade, o que tem tornado a população ‘vítima’ desses novos ideais. Por isso, atualmente há um número excessivo de pessoas que se consideram doentes e têm diagnósticos de depressão, síndrome do pânico, hiperatividade, entre outros” Porém, precisamos lembrar que a criança é um ser novo no mundo e nada conhece, precisa apenas de apoio e atenção para poder da andamento ao seu crescimento, pois na maioria das vezes as reações das crianças vem de uma atitude do adulto como por exemplo  uma separação mal resolvida, um ambiente de família com agressões/palavras de insulto, muita mudanças de ambiente como escolar e casa mudando todo ano, uma mãe ou pai ausente por motivos de diversos.

5. REFERÊNCIAS

 

CALAZANS, R.; LUSTOZA, R. Z. A medicalização do psíquico: os conceitos de vida e saúde. Arquivos Brasileiros de Psicologia. Rio de Janeiro, v. 60, n. 1, 2008. Disponível em: <https://146.164.3.26/seer/lab19/ojs2/index.php/ojs2/article/viewArticle/140/150>. Acesso em: 27/novembro/2017.

CEDES. 1992, n. 28: 31-47. 19 - Moysés MAA, Collares CAL. O lado escuro da dislexia e do TDAH. In: Facci M, Meira M, Tuleski S (orgs.) Exclusão e inclusão: falsas dicotomias. No prelo 2010.

COLLARES CAL, Moysés MAA. A história não contada dos distúrbios de aprendizagem. Cadernos

LEFÈVRE, F. A oferta e a procura de saúde imediata através do medicamento: proposta de um campo de pesquisaRevista de Saúde Pública, v.21, n.1, p.64-67, 1987. MARIANI, L. I farmaci del "benessere". Farmaci e biotecnologie come strumenti diuna libera programmazione dell'uomo? Clinica Terapeutica, v.149, n.5, p. 361-363, 1998.

MENDES, E. D.; PRÓCHNO, C. C. Corpo e novas formas de subjetividade. Psyché, v.8, n.14, p.147-156, 2004.

MONTERO, F. Uso racional de psicofármacos y papel de la comunicación social. Acta Psiquiatrica y psicológica de América Latina. Buenos Aires, v.40, n.2, p. 127-137, 1994.

NARDI, H. C.; IGNÁCIO. V. T. G. A medicalização como estratégia biopolítica: um estudo sobre o consumo de psicofármacos no contexto de um pequeno município do Rio Grande do Sul. Psicol. Soc. Porto Alegre, v. 19, n.3, set./dez. 2007.

PUNDIK, Juan. La medicalización en la infancia. ¿Cada vez más frecuente? Revista Formación Médica Continuada en Atención Primaria. Barcelona, vol. 16, n. 04, 2009. Disponível em: <https://www.doyma.es/revistas/ctl_servlet?_f=7064&ip=200.17.83.61&articuloid=13135511&revistaid=45>. Acesso em: 29 de novembro de 2017

RAEBURN, Paul. Entre Riscos e BenefíciosRevista Viver Mente & Cérebro. São Paulo, Edição Especial, n. 20, p. 69-75, 2009.

RODRIGUES, M. A. P. Modificações no Padrão de Consumo de Psicofármacos em uma cidade do Sul do Brasil. 2004. 133 f. Dissertação de Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas) - Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Medicina. Pelotas, 2004.

SIGAL, Ana Maria. Desatenção na infância: um estudo sobre a síndrome de desatenção (ADD). In:______. Escritos metapsicológicos e clínicos. São Paulo: Casa do Psicólogo, p.307-321, 2009.

 

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